Os elogios a “O Canto da Sereia” são mais do que merecidos, mas tenho
a impressão de que, para além das suas qualidades, a série agradou
muito também porque oferece um contraste gritante com a média da
programação da TV aberta.
O bom resultado do programa sinaliza que vale a pena dedicar tempo,
esforço e recursos para fugir do lugar-comum e do óbvio. Várias opções e
escolhas da equipe envolvida no projeto, sob direção José Luiz
Villamarim, mostram respeito ao espectador — tratado como um adulto,
como alguém capaz de pensar, não como um idiota.
Em quatro capítulos, a série desenvolveu uma história policial
atraente, ambientada numa Salvador contemporânea, com personagens de
ficção levemente calcados em figuras conhecidas do mundo real.
Chamou a atenção, por exemplo, a forma como a cidade foi apresentada,
bem diferente da imagem folclórica ou turística, popularizada pela
televisão.
Realista, mas não óbvia, a construção dos personagens deixou espaço
para quem assistia refletir sobre eventuais paralelos existentes entre
Sereia (Isis Valverde) e conhecidas cantoras de axé, ou entre o
marqueteiro Tuta Tavares (Marcelo Medici) e alguns famosos publicitários
baianos ou, ainda, entre o Doutor Jotabê (Marcos Caruso), governador do
Estado, e notórios políticos locais.
Cartão de visitas da série, o primeiro capítulo foi, de longe, o mais
impactante do ponto de vista visual. Com a câmera no ombro, Walter
Carvalho conseguiu levar o espectador a vivenciar uma tumultuada tarde
de carnaval nas ruas de Salvador.
Sem medo de confundir o público, o roteiro de George Moura e Patricia
Andrade apresentou a história de forma não linear, em tempos
diferentes, distribuindo indícios e pistas falsas sobre variados
personagens que poderiam, de algum modo, ter cometido o crime contra a
protagonista Sereia.
Também achei corajosa a opção por Isis Valverde, uma boa atriz, mas
sem especial potência vocal, para viver a cantora de axé. Camila
Morgado, no papel da empresária, babá e namorada da cantora, saiu-se
muito bem. E João Miguel como Só Love, o fã dedicado, foi o maior
achado.
Marcos Palmeira foi muito convincente como o segurança/detetive
Augustão, mas a lembrança de Mandrake, o personagem que viveu na série
policial da HBO, recomendaria não escalá-lo para um papel tão
semelhante.
Não vi exageros ou apelação nas cenas de sexo exibidas – todas dentro
do contexto da história e do horário exibido. Só soou estranho o
tratamento diferenciado dado ao namoro de Sereia e Mara e aos demais
encontros amorosos exibidos.
O público não teve o direito de ver um beijo que fosse entre as duas
personagens principais, apresentadas como namoradas, mas assistiu a
cenas tórridas delas separadamente, beijando e transando com homens.
Outro problema da série diz respeito à falta de densidade da história
em si. Baseada no romance de Nelson Motta, os personagens da trama
aparecem de forma muito leve, quase rasa, praticamente sem passado.
Villamarim já disse que as séries americanas têm dado exemplo de ousadia
e qualidade. Ele deve saber que mesmo as histórias policiais não
descuidam desta questão.
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